Por Sarah Giovanna e Samara Gabryela
(Canal: Sarah e Samara)
Introdução
Gênio recluso, perfeccionista implacável e uma lenda viva da animação. A reputação intimidadora de Hayao Miyazaki é quase tão famosa quanto seus filmes. Sua busca obsessiva pela perfeição o transformou em um ícone, mas também em um pesadelo para quem trabalha ao seu lado—descartando roteiros inteiros no último minuto, redesenhando cenas pessoalmente e impondo jornadas exaustivas. Miyazaki é celebrado tanto por seu talento quanto por sua rigidez brutal.
Neste vídeo, exploramos seu lado mais sombrio: as relações complicadas, as polêmicas e as contradições de um dos maiores nomes da história da animação. Confira:
Miyazaki e os Estados Unidos: Críticas e Resistência Cultural
Miyazaki nunca escondeu sua visão crítica sobre os Estados Unidos. Em uma entrevista de 1983, declarou abertamente:
“Não gosto dos Estados Unidos, que lançaram bombas nucleares. E não me arrependo disso.”
Sua posição ia além da política externa. Ele se opunha à cultura americana, declarando-se:
“Anti-jeans, anti-hambúrgueres, anti-frango frito, anti-Coca-Cola e anti-café americano. Odeio pessoas que se orgulham de carros japoneses baratos serem populares na América.”
Ele via como inimigos aqueles que usavam emblemas do Exército e da Força Aérea dos EUA, responsáveis, em sua visão, por espalhar dioxinas no Vietnã. Em um de seus protestos mais simbólicos, chegou a dizer:
“Disneylândia, volte para a América!”
Essas declarações refletiam não apenas ressentimentos históricos—como a ocupação americana no Japão pós-Segunda Guerra—mas também uma preocupação profunda com a erosão da identidade cultural japonesa frente à influência ocidental.
Em 2003, quando A Viagem de Chihiro foi indicado ao Oscar, Miyazaki recusou-se a comparecer à cerimônia em protesto contra a Guerra do Iraque. Anos depois, justificou:
“Não queria visitar um país que estava bombardeando o Iraque.”
Sua postura antiguerra permeia suas obras, onde critica o militarismo, a destruição ambiental e a ganância humana. Em entrevistas, chegou a ironizar:
“Os americanos atiram em coisas e elas explodem. Então, como era de se esperar, eles fazem filmes assim.”
Tecnologia e Modernidade: A Rejeição de Miyazaki
Miyazaki não limita suas críticas à cultura americana—ele rejeita grande parte da tecnologia contemporânea. Em entrevistas, admitiu não assistir TV, não ter computador, fax ou DVD player. Para ele, a tecnologia não substitui o trabalho manual.
Sobre smartphones, disparou:
“O objeto parecido com um console de videogame que você segura e a maneira estranha como o esfrega são simplesmente assustadores. Há uma sensação de repulsa. Em breve, haverá cada vez mais pessoas se acariciando daquele jeito no trem, como se estivessem se masturbando.”
Ele também é um crítico ferrenho da indústria de animação japonesa, afirmando:
“O anime é produzido por humanos que não suportam olhar para outros humanos. É por isso que a indústria está cheia de otakus.”
Miyazaki repudia fãs de armas e aviões de combate, classificando-os como fetichistas e deixando claro que não se identifica com esse grupo.
Disney, Senhor dos Anéis e Indiana Jones: Críticas à Narrativa Ocidental
Em 1988, Miyazaki criticou a Disney, acusando seus filmes de “desprezo pelo público”. Em 2001, reconheceu o apelo dos filmes da Disney, mas afirmou que faltava a eles profundidade emocional:
“São como um balé clássico, enquanto a DreamWorks é como música pop moderna.”
Sobre O Senhor dos Anéis, questionou a representação do inimigo e a violência indiscriminada:
“Se alguém é o inimigo, não há problema em matá-los. O filme não distingue civis de soldados. Isso é dano colateral—quantos morrem no Afeganistão? Aqueles que amam fantasia sem entender isso são idiotas.”
Ele também atacou Indiana Jones e os fãs japoneses da franquia:
“Há um cara branco que atira em pessoas, e os japoneses que curtem isso são embaraçosos. Vocês são os que levam tiros! Assistir sem autoconsciência é inacreditável. Não há orgulho, nenhuma perspectiva histórica.”
A Personalidade Perfeccionista de Miyazaki: Trabalho e Caos
Steve Alpert, ex-chefe de vendas internacionais do Studio Ghibli, descreveu em seu livro Sharing a Kingdom with Beasts o ambiente tenso sob Miyazaki. O diretor dividia a produção em partes (A a E), mas frequentemente desacelerava na parte D, deixando a equipe em suspense. Sem aviso, retomava o ritmo frenético, obrigando todos a trabalharem horas exaustivas para cumprir prazos.
Alpert relatou que Miyazaki sugeria fechar o estúdio e demitir a equipe após cada filme, alegando que isso os tornaria melhores artistas. “Ninguém sabia se ele brincava ou não”, escreveu.
Em momentos de bloqueio criativo, Miyazaki parava para cortar lenha—um hábito que forçava o produtor Toshio Suzuki a intervir e fazê-lo voltar ao trabalho.
Miyazaki como Pai: A Difícil Relação Famíliar
Seu filho, Goro Miyazaki, estreou como diretor em Contos de Terramar (2006) —um dos filmes mais criticados do Ghibli. A produção foi marcada por conflitos. Goro, sem experiência, foi pressionado a assumir o projeto pelo estúdio, enquanto Hayao se opôs publicamente.
Em um diário online, Goro desabafou:
“Hayao Miyazaki é nota mil como animador e zero como pai. Ele quase nunca estava em casa. Minha mãe preenchia seu lugar.”
Durante a exibição de Contos de Terramar, Hayao saiu para fumar e brincou com a imprensa: “Parecia que durou três horas.” Goro revelou que não falou com o pai por anos após o incidente.
A mãe de Goro, Akemi Miyazaki, sempre o alertou: “Não seja um animador.” Ela não queria que o filho repetisse a vida ausente do marido.
Em 2006, Goro “ganhou” o prêmio Bunshun Raspberry (uma versão japonesa do Framboesa de Ouro) por pior diretor e pior filme. A autora do livro que inspirou o filme disse: “É totalmente diferente da minha obra. As imagens são eficazes, mas convencionais.”
Aposentadoria e Retorno: O Menino e a Garça
Miyazaki anunciou sua aposentadoria diversas vezes ao longo da carreira, mas sempre retornou ao trabalho. Seu mais recente filme, O Menino e a Garça (2023), foi mais um exemplo de sua dificuldade em se afastar da animação. Seu retorno constante reflete não apenas sua paixão pelo cinema, mas também sua incapacidade de se desligar de um processo criativo que parece ser parte essencial de sua identidade.
Legado e Influência: O Paradoxo de Miyazaki
Hayao Miyazaki é uma das figuras mais emblemáticas e reverenciadas da animação mundial, mas, ao mesmo tempo, é uma pessoa incrivelmente complexa, marcada por uma profunda tensão entre seu trabalho e sua vida pessoal. Sua obsessão pela perfeição, pela narrativa e pela animação o tornaram uma lenda, mas também alguém com uma personalidade difícil de lidar.
Ao longo dos anos, entrevistas com pessoas que trabalharam ao seu lado revelam um profissional intenso, volátil e, muitas vezes, impenetrável. Como diretor, Miyazaki era reconhecido por sua busca implacável pela excelência. Ele não aceitava mediocridade e se dedicava de corpo e alma ao seu trabalho, o que gerava um ambiente de extrema tensão dentro do estúdio.
Essa obsessão pela arte teve um preço: a desconexão familiar. Miyazaki nunca foi um homem fácil, mas a profundidade de sua humanidade, que transparecia em suas obras, revela alguém sensível, introspectivo e, acima de tudo, apaixonado pela arte.
1 Comentário
Arrasou!! 👏👏 Muito bem escrito